Você sabe o que é uma joqueta?

joqueta Josiane Gulart
A joqueta Josiane Gulart batalhou para ter um lugar na escola de aprendizes, pois só havia meninos (Arquivo Pessoal)

A palavra pode soar engraçada, mas o trabalho é muito sério! Joquetas são as mulheres jóqueis, que montam cavalos e disputam provas de turfe, de igual para igual com os homens. Tarefa que exige concentração, resistência física e muita coragem, já que em páreos de alta velocidade o cavalo pode atingir até 60 km/h. Acidentes acontecem e tendem a ser graves.

Fonte UNIVERSA – EXTRAORDINÁRIAS, by Débora Miranda, reprodução da matéria, clique aqui e veja a original… 

A joqueta Josiane Gulart batalhou para ter um lugar na escola de aprendizes, pois só havia meninos (Arquivo “Já sofri várias quedas. Mas de muitas eu saí bem. Já quebrei o braço. Do ombro até o cotovelo tenho uma placa com oito pinos. O cavalo não fez a curva e caí em cima da cerca. Tive também um outro acidente em que caí na raia durante a corrida, torci o joelho e rompi o ligamento do pé. Já quebrei a clavícula também”, conta Jeane Alves, a primeira mulher a vencer uma temporada do turfe brasileiro.

A lista de lesões de Josiane Gulart também é longa. “Aos 18 anos, sofri uma queda e precisei retirar o baço. Já quebrei costela, clavícula e agora, por último, quebrei o tornozelo. E já fiz uma cirurgia por causa de um deslocamento do ombro”, enumera ela, que foi a primeira mulher a participar de um Grande Prêmio no Brasil.

Tanto Josiane quanto Jeane são hoje reconhecidas no mundo do turfe por suas conquistas. Mas elas lembram que não foi fácil trilhar esse caminho. “Não tinha mulheres quando eu comecei. E é difícil você dizer que pode fazer aquilo se não tem mais ninguém fazendo. É uma profissão vista como masculina, porque a maioria das pessoas acha que para lidar com o cavalo você depende de força. Com o tempo, fui obtendo vitórias e conquistando meu espaço. As pessoas viram que eu não era exceção. Que, com treino, outras mulheres poderiam conseguir o mesmo”, diz Josiane.

Quando decidiu que queria ser joqueta, ela enfrentou resistência até do pai, que era treinador em corridas de cancha reta (corrida de cavalos sem curva e com distâncias mais curtas do que o turfe), no Rio Grande do Sul. “Cresci nesse meio, mas o meu pai não queria que eu seguisse esse caminho. Ele sempre achou que era uma profissão muito difícil e arriscada. Mas falei que se ele não me treinasse eu procuraria outro treinador. Ele disse: ‘Então você vai aprender comigo’.”

Josiane teve dificuldades até para entrar na escola de aprendiz. Quando completou 16 anos, buscou uma vaga no Jockey Club Brasileiro, no Rio de Janeiro. “Cheguei ao Rio em 1999 e enfrentei muita resistência. Diziam que não tinha alojamento para mim, porque todos os alunos eram homens”, lembra. Os aprendizes vivem no Jockey durante o período de aulas, até se tornarem profissionais. “Tive que ir morar fora.”

Ela foi viver com o irmão mais velho, que já era jóquei e vivia na cidade. Josiane ainda acabou se casando com o jóquei Vagner Leal, com quem tem uma filha de dois anos, Heloísa. “Eu e o meu marido disputamos os mesmos páreos. Nós nos apoiamos e conversamos bastante sobre trabalho. Mas não dividimos estratégias, isso não é legal. Na raia, somos adversários. Na hora da disputa, cada um defende sua farda.”

Jeane também foi influenciada pela família. O irmão fazia prova de vaquejada (dois homens montados em cavalos e um boi, que deve ser derrubado no fim da pista) no Ceará e, quando decidiu que queria vir para São Paulo ser joqueta, contou com o apoio da prima, que já montava. “Meu pai sempre dizia que seus filhos tinham que fazer o que quisessem e me apoiou nas minhas escolhas. Cheguei em 2008 no Jockey Club de São Paulo. Minha prima falou com o professor e consegui uma vaga na escolinha. Fui recordista de vitórias”, lembra.

Mais sensibilidade, menos peso

No turfe, homens e mulheres disputam as mesmas provas, o que ainda rende alguma polêmica. Num universo em que cavalos são grandes estrelas, os jóqueis precisam saber conduzi-los de forma impecável. “Quando o cavalo é bom, com ele estará um jóquei de ponta, que tem estrela. Os melhores cavalos estarão sempre com os jóqueis mais vencedores”, explica Jeane. E se tornar um jóquei vencedor não é simples.

Um dos itens principais é o peso. E as mulheres tendem a naturalmente ser mais leves. “O jóquei menor se arruma melhor em cima do cavalo. O peso ideal é entre 50 kg e 54 kg, para homem ou mulher. As mulheres tendem a ser mais leves, e isso é uma vantagem. Às vezes a gente acaba ganhando oportunidade [de montar determinado cavalo] porque o homem não atingiu o peso que precisava”, conta Jane.

As joquetas concordam que, no entanto, fisicamente, a mulher precisa de mais preparo do que o homem para disputar uma prova do turfe. “Com certeza! O homem já vem um pouco mais forte pela natureza, mas a mulher pode chegar lá”, garante Josiane. Tanto ela quanto Jeane treinam diariamente com os cavalos e depois ainda malham, para conseguir resistência e força.

“A vantagem da mulher é a sensibilidade com o animal. Ela pode não ter a mesma força que o homem, mas tem mais calma. E há muitos cavalos que dependem de jeito, de paciência, de você entendê-lo. É importante tirar melhor proveito dessas pequenas coisas que podem se tornar grandes vantagens”, diz Josiane.

Jeane concorda. “Lógico que os homens se dedicam, mas as mulheres, por saberem das dificuldades, do preconceito, dedicam-se mais. E o pessoal fala que a mulher é mais sensível e mais delicada com os cavalos, por isso tem vários animais que se adaptam bem a elas. Às vezes, tem cavalo que com homem é mais bravo e, quando a mulher monta, ele muda. Não é força, é jeito e delicadeza.”

A remuneração para homens e mulheres não tem diferença. Todos os competidores de um páreo ganham a mesma quantia para disputar a prova: R$ 100. E os primeiros cinco colocados são pagos com porcentagens do prêmio dado ao cavalo vencedor –normalmente 10%. Mas há proprietários de animais que contratam jóqueis específicos para seu haras, o que normalmente inclui um pagamento extra. Os treinadores e os donos de cavalos escolhem quem vai disputar a prova com cada cavalo. Caso um jóquei seja muito disputado, ele pode negociar benefícios financeiros, como uma porcentagem maior do prêmio.

As mulheres vêm ganhando espaço, mas ainda há muitos proprietários que não gostam de tê-las montando seus cavalos. “Às vezes estou trabalhando um cavalo e o treinador gosta de mim, mas o proprietário não. Acontece. Acham que a mulher não tem a energia que o homem tem, não tem a mesma força. A diferença ainda é bem grande. Como eu tive no ano passado o maior número de vitórias, entre homens e mulheres, isso ajudou minha carreira. Hoje sou experiente, já montei fora do Brasil, ganhei prêmios importantes. O pessoal confia em mim e já me dá mais cavalos para participar”, conta Jeane.

Grande Prêmio São Paulo

Acontece neste fim de semana uma das provas mais tradicionais do turfe nacional, o Grande Prêmio São Paulo, que está em sua 94ª edição. Quem tiver curiosidade de ver ao vivo os páreos, basta ir ao Jockey Club. A entrada é gratuita. “O pessoal acha que para ir ao Jockey tem que jogar. Mas não! Lá tem restaurantes bem legais, brinquedos para as crianças, cavalinhos para andar”, diz Jeane, que disputará o Grande Prêmio, no domingo. “Estou me preparando muito, estou confiante.”